O coro antropófago no Bixiga:

o processo de criação dos atuadores com a música n’Os Sertões do Teatro Oficina – fragmentos virtuais

 Esta página PESQUISA foi criada para experimentar a possibilidade de atingir possíveis interessados no assunto que abordo no meu trabalho de mestrado, O coro antropófago: o processo de criação dos atuadores com a música n’Os Sertões do Teatro Oficina, realizado de 2019 a 2021 na USP – Universidade de São Paulo –, dentro do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Para tentar ir além do mundo acadêmico, conquistar outros leitores, descobrir novos apaixonados pela prática de cantar em coro.

Escolhi alguns trechos do texto, sempre relacionados a trechos dos espetáculos d’Os Sertões do Teatro Oficina, que também estão disponíveis aqui. Para ver os vídeos aqui mesmo no site, só clicar nas imagens, e pra ver no YouTube só clicar nos títulos dos vídeos que aparecem em azul, entre colchetes.

E pra quem se interessar ainda mais, ou se apaixonar pelo assunto a partir desta amostra virtual, a dissertação está aqui disponível para download, e também parte dela que está no artigo “A afinação do coro no Teatro Oficina”, integrante da revista Sala Preta da USP, em seu último volume (v.20 vol.2 – 2020), todo dedicado ao Teatro Oficina.

Algumas das canções que fazem parte da playlist sugerida estão disponíveis para ouvir, só clicar nos títulos em azul, precedidos pelo sinal # e entre colchetes. As gravações escolhidas fazem parte do álbum Revista Bixiga Oficina do Samba, também abordado na dissertação. As demais canções citadas podem ser facilmente encontradas em gravações disponíveis na internet.

 Organizei o Sumário deste trabalho a partir da lógica utilizada por Euclides da Cunha no livro Os Sertões. Além da forma estética da divisão dos capítulos e assuntos abordados, a maneira escolhida por Euclides guia o pensamento, o (des)encadeamento das ações. Inspirada pela fala de Lina Bo Bardi (reproduzida por escrito abaixo), arquiteta criadora e artista parceira do Teatro Oficina, senti nessa forma uma maior liberdade para o florescimento das ideias, e maior proximidade com o trabalho desenvolvido pelo Teatro Oficina a partir da obra do autor que, atravessado pelo que presenciou em Canudos, viveu em seu corpo a transformação dos próprios conceitos que o constituíam.

Dividi a abordagem dos temas em três partes, inspirada nas três partes d’Os Sertões: A Terra, O Homem e A Luta, uma trindade que é uma coisa só. Para ser lida de trás pra frente, de frente pra trás, do meio pras bordas, um pedaço aqui, depois outro mais adiante, outro mais atrás. Abrir o livro – tomara que! - aleatoriamente e ler o que a página mostrar. Passear pelos títulos, páginas, escolher a que mais te seduzir. Pelo nome, pelo tamanho, pequeno ou grande, segundo a disposição do momento, com gravuras, sons, sem nada, só algumas letras e página em branco. O tempo não é linear, aliás, o tempo nem existe, a física contemporânea vem descobrindo o que no fundo já sabemos. Inventamos também o tempo na música, mas aí já é outra história.

Voltando aos capítulos do trabalho, são três, mas não estão numerados, justamente para tentar sair de uma ideia de começo e fim (de tempo linear). E aqui nesta amostragem virtual, podemos seguir o mesmo princípio. Passeie pelos textos e vídeos na ordem que desejar.

"O tempo linear é uma invenção do Ocidente. O tempo não é linear; é um maravilhoso emaranhado, onde a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções; sem começo nem fim" (BARDI, apud Ferraz, 1993, p. 327), diz a personagem Lina Bo Bardi na última cena do espetáculo A Terra, (acessável no vídeo acima, só clicar). Não é necessário nem desejado que se comece lendo o que vem primeiro, nem o contrário. Estão todos ali, ao mesmo tempo (!), e à medida que vamos tendo contato com um e outro, podemos ler as  partes com um nível X de profundidade,

mudar em uma nova visita, sob outro ponto de vista e escuta. Um convite para usar a liberdade – que sim, temos! – também na hora de escolher o que ler por vez.

Assim como no processo de criação e apresentação dos espetáculos d’Os Sertões, quando tínhamos sempre em mente o fim da tragédia, mas começávamos os ensaios a cada dia com a “alegria dos que não sabem e descobrem” (ANDRADE, 2011, p. 60). Assim como A Luta não é compreendida em sua totalidade sem A Terra, O Homem está inserido no contexto e muda as duas, e vice-versa e vice-versa novamente. Assim na guerra de Canudos e assim na luta gozosa diária da criação em ensaios de muitas horas no teatro para compreensão do texto, criação de canções, de ensaios em coro, de transposição de palavras em música, de descoberta de harmonias, lembranças e invenções de danças, movimentos, ações.

Como nos ritos e nas culturas iniciáticas, em que somos apresentados a grandes e profundos conteúdos repetidas vezes, e a cada vez alcançamos um determinado nível de compreensão. Com o auxílio luxuoso da experiência prática, vivida no corpo. Preferência pelos movimentos circulares, espirais, elípticos, pensamento ameríndio, em contraponto à lógica da linha reta. Como cantar uma mesma canção muitas vezes, em contextos diferentes, com disposições de ânimo distintas, com novos objetivos. A cada vez uma nova compreensão.

Resumindo, escolhi escrever como penso, já que optei por pensar o processo de criação. E meu pensamento não é linear. Assim como a criação.

Os próprios espetáculos, apesar de seguirem uma ordem linear de apresentação – na mesma sequência do livro –, não apresentam uma leitura linear do tempo. Parte d’A Luta já está no primeiro espetáculo, A Terra; na última parte, A Luta II, volta-se à Terra para entender novamente o lugar onde a guerra acontece e a ligação do povo a esse lugar; e tenta-se entender O Homem já com o decorrer d’A Luta, e por aí seguimos. Melhor do que tentar encaixar – atenção ao verbo – o pensamento numa lógica linear é deixá-lo correr livre no tempo e no espaço, como ele é em sua natureza.

Meu cavalo tá pesado

Essa canção abre os trabalhos d’Os Sertões do Teatro Oficina já trazendo muitos dos elementos com que vamos contracenar nesse mergulho no Coro Antropófago no Bixiga. É uma canção composta pelo Zé para o que virá a ser um dia o espetáculo O homem e o cavalo (cantada em leituras dramáticas da peça pelo Oficina na década de 80), a partir do texto de Oswald de Andrade. Passou a ser a música chave do aquecimento para o primeiro espetáculo d’Os Sertões, A Terra, cantada por todo o coro – depois de passar por várias outras no aquecimento interno dentro do teatro – para ligação do elenco, e para receber o público.

Aquecimento de voz com público

No início dos ensaios, não contávamos ainda com a banda. Durante alguns meses eu era a mais “música” dos atuadores, então fui desenvolvendo alguns aquecimentos musicais para nós, misturando pequenos exercícios rítmicos com improvisações melódicas. Usava nessa época um diapasão para os primeiros ensaios abertos, só para localizar o tom para puxar algumas canções que cantávamos à capela, ou então, quando a canção permitia, acompanhava o coro com o cavaquinho. Nesta época usava o cavaquinho acústico, sem amplificação, o que me permitia um deslocamento fácil pela pista do teatro, pelo tamanho do instrumento, fácil de carregar em cena.

Assim a música foi se fortalecendo como linguagem, presente em todos os ensaios, servindo à concentração dos atores, e proporcionando uma maior familiaridade dos atores com os próprios recursos musicais.

O nosso aquecimento para os ensaios acabou virando um aquecimento vocal incluindo o público, como fazíamos no início do espetáculo A Terra. O ator Marcelo Drummond, que fazia Euclides da Cunha, puxava uma concentração, que começava com elenco e público entrando em silêncio no teatro e em seguida outros exercícios, e na sequência eu puxava o aquecimento vocal com o público. Isso depois de já termos feito, apenas o elenco antes de abrir para o público, o nosso aquecimento mais completo, o que fazia com que começássemos o espetáculo já num estado avançado de concentração e intimidade com a música.

Nos processos seguintes da Companhia essa formação do coro com banda passou a estar presente desde o início dos ensaios. Como uma fórmula mágica descoberta e experimentada. Uma certa organização de sons, o auxílio luxuoso de alguns instrumentos musicais e seus mestres garantindo alguma ordem e inspiração a partir dos sons prestes a se corporificarem em música. 

Os Sertões – acorde perfeito maior

Atuadores e público abrem os trabalhos

Trio calafrio

A maioria das citações deste trabalho parte de referências bibliográficas de três autores muito presentes no Teatro Oficina: Oswald de Andrade – poesia diretora, Antropofagia e Teatro de Estádio –, Friedrich Nietzsche – o ditirambo e o coro dionisíaco –, e Antonin Artaud – o teatro e a peste, o corpo sem órgãos. 

São autores que permeiam todo o trabalho de criação da Companhia. Não como conceituadores teóricos, virados temas de debates de ideias – “Ideias tomam conta, reagem! Queimam gente na praça pública. Vamos suprimir as ideias? E outras paralisias? Roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros roteiros...” cantamos no espetáculo Macumba Antropófaga, a partir do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade (2011b, p. 73). Mas como inspiradores de cenas vividas na pista do teatro, para e com o público. Palavras encarnadas.

Ao longo do texto esses autores voltarão a aparecer, mas aqui escolhi uma citação de cada um que faz referência específica ao coro, e que está de alguma forma viva e presente em trechos dos espetáculos. 

Como um aperitivo para o que vem a seguir, um pouco de como vivemos cada um, como cada um desses autores está em cena, no corpo dos atores, no coro. E através da música. 

Parto de três exemplos práticos, de cenas d’Os Sertões, acessáveis diretamente pelos links que os acompanham. Onde esses conceitos são falados, cantados, corporificados, e virados cena. Da cena para uma tentativa de maior compreensão cognitiva, então de volta pra cena, e fomos aprofundando os caminhos, num movimento circular, espiral, palavra que se faz corpo, que canta a palavra, que vira música e movimento. Dança. Fizemos esse caminho da cena para o estudo da cena, e é esse caminho que estou propondo aqui, ao indicar o link de acesso ao trecho citado dos espetáculos. Primeiro ver e ouvir a cena, pensar depois. E tirar suas próprias conclusões.

Escolho aqui cenas d’Os Sertões porque é o objetivo do trabalho, mas se atentarmos para outros espetáculos da Companhia (ao menos dos anos 1990 pra cá), esses conceitos também estarão sempre presentes.

Sucedem-se manhãs sem par

Festa Homem I

 

 

Bala bala

Oswald de Andrade e o Teatro de Estádio

O espetáculo todo d’A Terra é a corporificação – em voz também, que voz é corpo – da definição de Oswald de Andrade para Teatro de Estádio: “grandioso demais, demais coletivo, próximo das origens verídicas do teatro – festa popular e grande catarse…(1971, p. 89).

A Terra é um espetáculo coral em que os atores se transmudam em plantas, bichos, formações rochosas, e onde o ser humano, para além de em sua relação com a natureza, aparece COMO natureza. São coros de bromélias, mandacarus, palmatórias do inferno, líquens, caititus esquivos, queixadas de canela ruiva, bois, vacas, rios, mares, rochas gnaissegraníticas, xistos metamórficos que tomam vida, relacionam-se entre si, festa popular misto de brincadeira de criança que envolve os espectadores, que quando se dão conta já viraram tudo isso junto com o coro, através da música e da dança.

Escolhi essa cena d’A Terra, final da cena d’A Mutação de Apoteose, onde Euclides descreve a primavera no sertão (cuja criação da música está descrita em outra parte deste trabalho) que se corporificou em cena, com cada ator personificando a planta e animal que mais se adequassem à sua physique du rôle.

 

Depois de passar pela primeira chuva no sertão, que após um longo período de seca explode em cores e flores, vêm os animais. Nesta cena [Sucedem-se manhãs sem par] do final da descrição da primavera, da abundância no sertão, o público, que de espectador já se transmudou em público atuador, vive a grande catarse da festa popular, cantando junto ao coro, sendo plantas, bichos. Aqui estão em cena as palavras de Oswald de Andrade e o seu teatro que é bom [¹] nos corpos e vozes dos atuadores e do público, quer dizer, do elenco e do público atuador. E ainda corporificando a alegria, que é a prova dos nove.

Outras duas cenas que trazem para os corpos dos atores – e do público – um pouco da definição do autor do que é o Teatro de Estádio, grandioso demais, coletivo demais, são a festa d’O Homem I [Festa d’O Homem I]e a primeira cena de embate entre sertanejos e soldados [Bala bala], onde o público se confunde com o elenco e atua junto, numa grande catarse que mais uma vez vai fazer com que o espectador tenha uma experiência de dentro. São cenas antagônicas, já que uma recria uma festa popular aberta à participação de todos (talvez de mais fácil empatia do público, que culturalmente traz a referência das festas juninas, presentes em grande parte do país), e a outra é uma cena de luta, já dentro de um desenrolar na dramaturgia, com coros de personagens bem definidos, em lados opostos (esta segunda cena será analisada mais adiante sob outro aspecto). 


[¹] Referência ao título do artigo “Do Teatro, que é Bom”, em que Oswald de Andrade discorre sobre o tema do Teatro de Estádio, presente no livro Ponta de Lança, que traz uma seleção feita por ele de vários artigos e conferências escritos em 1943 e 1944.

Vulcão

Antônio

Conselheiro

Friedrich Nietzsche e o coro ditirâmbico

O coro ditirâmbico recebe a incumbência de excitar o ânimo dos ouvintes até o grau dionisíaco, para que eles, quando o herói trágico aparecer no palco, não vejam algum informe homem mascarado, porém uma figura como que nascida da visão extasiada deles próprios (NIETZSCHE, 2007, p. 59).

 

As duas primeiras aparições do personagem Antônio Conselheiro (nos espetáculos que compõem Os Sertões), vivido pelo diretor e ator Zé Celso, são ótimos exemplos da aparição trágica do herói, preparada pelo coro ditirâmbico que acabou de excitar até o grau dionisíaco o ânimo dos espectadores, que veem nele então uma figura como que nascida da visão extasiada deles próprios, usando a definição de Nietzsche.

Nesta cena, parte do espetáculo O Homem I, o coro está dividido em três: o coro do capital, representado pelo personagem Silvio Santos e sua família – presente em praticamente todos os espetáculos da Companhia de que participei –, o coro de jagunços e o coro de policiais milicianos. Eles em sua guerra constante anunciam 

Antônio Conselheiro, que se apresenta então como fruto das disputas do sertão daquele momento, não muito diferente das disputas contemporâneas por terra e capital.

É uma cena longa, em que parte do público está na pista por conta das cenas anteriores, já dançou e cantou na festa do início do ato, já se misturou aos atuadores, já é parte do coro, muitas vezes já conhece as canções e canta junto. A música vai levando atuadores e público para um crescendo, um grau máximo da disputa entre os grupos antagônicos em cena. E da relação destes grupos, da tensão entre eles, surge Antônio Conselheiro. O texto que vem na sequência da cena vai justamente falar disso, da gênese do personagem, das circunstâncias que o criaram. E é o coro que prepara a cena, excita o ânimo dos espectadores, que recebem o personagem já nesse estado alterado pela música, pela dança, pela vibração das vozes cantantes. 

Este é um exemplo literal da ideia de excitar o ânimo do público para receber um personagem, e isso acontece ao longo de todos os espetáculos d’Os Sertões, desde A Terra até às Lutas, proporcionando, para além da visão extasiada deles próprios, como descreve Nietzsche, uma identificação inclusive com  personagens mais antagônicos à nossa própria personalidade – ou o que projetamos nela –, possibilitando identificação sem julgamento com os diferentes “desvios” de comportamento, desde o jagunço violento até o coronel sanguinário. Os espectadores estarão então mais desarmados de seus papéis cotidianos, prontos para viver mais intensamente cada personagem, e saírem transformados da experiência, vivida num estado de consciência alterado pela música, pelos movimentos, pela dança, pelos sentidos aguçados.

Antonin Artaud e o empestear do cor(p)o sem órgãos

Dois momentos em que o conceito de corpo sem órgãos é cantado em cena pelo coro. E a palavra se faz no corpo, é o sentido vivido durante o espetáculo.

“Corpo Sertão, sem órgãos, saúda o cosmos. Multidão!”, o coro canta fechando o segundo ato d’A Luta I [Corpo Sertão], misturando Oswald de Andrade, Artaud, Deleuze e Guattari (filósofos que desenvolveram o conceito de corpo sem órgãos, CsO de Artaud)[¹], Euclides da Cunha, Zé Celso e todos nós ali, pra rimar. Direto ao ponto.

E em outra cena, do espetáculo O Homem II [PolipÉros], novamente o cor(p)o sem órgãos misturado às palavras de Euclides faladas cantadas em coro, ao som do ritmo do maracatu[²], fala e música indissociadas. É a formação do arraial de Canudos, com gente vindo de toda parte do sertão, culturas diferentes, fomes diferentes, juntos ali num sonho de uma nova sociedade, uma nova possibilidade de vida coletiva, polipÉros [³], criando o centro do cosmos no meio do sertão. Potência de criação infinita, o ritmo guiando as palavras num primeiro momento faladas, melodias surgem aqui e ali, e os corpos que se movimentam pelo espaço, com o público junto, ocupando a pista, um corpo único em movimento.

Para desenvolver o conceito do CsO a partir das experiências e escritos de Antonin Artaud, os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, além do próprio, todos franceses, precisaram quebrar em seus corpos séculos de cultura ocidental cristã. Nós aqui, abaixo da linha do equador, já trazemos de certa forma a corporificação desse conceito em nós, não precisaríamos quebrar um outro conceito anterior que não chegamos a viver tão intensamente em nossos corpos. Na nossa mistura de culturas, no Carnaval e outras festas populares, na nossa herança viva e contracenação – também de povos europeus colonizadores, mas amalgamados durante séculos com os diferentes povos originários daqui e outros tantos trazidos escravizados do continente africano –, na ligação direta com a terra, com o calor, e ainda da prática de coro e público no teatro, temos o privilégio de ainda ocuparmos nossos corpos. E formar, na promiscuidade dos sons que entram e saem deles e de tantos corpos juntos no mesmo espaço, um coro sem órgãos, um corpo sonoro de ondas rebolantes pelo espaço.


[¹] Para aprofundar o assunto, o livro O anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, e a peça radiofônica Pra dar um fim no juízo de Deus, de Antonin Artaud.

[²] Gênero musical, dança e ritual religioso de matriz Africana e originário do estado de Pernambuco, hoje praticado em várias regiões do Brasil e também no exterior.

[³] PolipÉros, mais uma palavra inventada a partir de uma já existente com acréscimo de sentidos. Aqui Euclides da Cunha no livro Os Sertões refere-se aos habitantes de Canudos como polipeiro humano, comparando-os às formações de corais – ó o coro aí, gente! – marítimos. A partir do texto da peça cantamos polipÉros, trazendo o deus grego Eros, o amor, para designar o coro de Canudos.

Composição musical Musicalização do texto

O processo de musicalização para os espetáculos d’Os Sertões passou por diferentes momentos, e teve no seu começo uma grande descoberta, que influenciou toda a criação que veio a seguir. A musicalidade do texto de Euclides, o prazer em falar aquelas palavras, descobrir seus sentidos, o ritmo que saía delas, suas estranhas combinações. Como os espetáculos do Oficina que costumam ter vários começos e vários finais, com o processo d’Os Sertões não foi diferente. Mas o que pode ser considerado o começo oficial do processo de criação e montagem, que resultou nos cinco espetáculos e suas mais de 26 horas de duração, foi a leitura em voz alta por um coro de aproximadamente 200 pessoas, que durante dois meses leram juntas o livro inteiro – com consultas essenciais ao glossário.

Em seguida, já no processo de ensaios, ainda sem o texto trabalhado com a dramaturgia, me lembro de experimentar ler páginas inteiras em coro a partir de uma única nota musical. Nem era o samba de uma nota só, porque neste

momento ainda trabalhávamos sem músicos, e nem um ritmo sugerido, uma batida, nada.  Éramos guiados pelo ritmo das palavras. Todos com seus livros na mão, cada ator com uma edição diferente, mas todos os livros grandes e pesados, carregados pra lá e pra cá em experimentações de cenas. Éramos rios que desciam, montanhas quietas de alturas soberbas, ventos, rochas.

Passamos por várias formas de compor canções para os espetáculos, que descrevo mais detalhadamente ao longo da dissertação. Algumas vezes Zé pedia para certos compositores atuadores comporem certas canções, pela personalidade de cada um. Às vezes funcionava, outras nem tanto. Era muito comum compormos alguma coisa em casa a partir das orientações do diretor, daí no ensaio íamos adequando à cena, outros atores iam cantando, modificando a canção. Por vezes intencionalmente por outras sem querer, com a intenção de cantar uma melodia e saía outra, e acaso se encaixasse melhor na cena, absorvia-se a mudança.

Chico César havia assistido ao esboço da cena no ensaio, e pensamos então que a partir do que presenciara comporia uma canção que se adequasse ao clima imaginado para a cena. Chegou a música (aqui na gravação original de Chico César e não se encaixava ao que Zé tinha imaginado para uma cena de estouro de uma boiada no sertão. Muito suave. Precisávamos de algo mais forte, com energia de uma manada de bois fugindo livres pela caatinga. Mas nós os atores tínhamos gostado e ouvido bastante a canção, e resolvemos tentar encaixar aquela composição ao que o diretor imaginara para a cena. E deu certo.

Pela minha familiaridade com o samba, Zé me pediu para compor um samba com o texto descritivo da árvore Favela, que dava nome ao morro da Favela, cenário da guerra em Canudos e que passou a denominar os morros do Rio de Janeiro onde vinham morar os soldados que retornavam derrotados da guerra, sem o soldo devido pelo governo. O diretor queria justamente um samba tradicional, que remetesse aos inúmeros sambas de compositores provenientes de favelas do Rio de Janeiro. 

Compus o samba que eu mesma cantava no espetáculo A Terra, acompanhada pelo meu cavaquinho, acordeon e a percussão que vinha tocar comigo na cena.

Daí no final da canção o samba – cuja letra reproduz literalmente a descrição de Euclides da árvore Favela apresentada no livro – ia virando um funk carioca, pra ser agora cantado pelos soldados regressos de Canudos, contando a história do nome favela

 

passar a denominar as grandes aglomerações de gente nas grandes cidades. E trazendo a referência da favela nos dias de hoje, bem representada pelo funk carioca. O eterno presente.

 “Aquele que sabe tem que experimentar aquilo que sabe”, diz Dionísio em Bacantes, de Eurípedes, pelo mesmo Teatro Oficina. 

Público atuador

Saliento aqui um termo usado e buscado insistentemente na prática nos trabalhos de criação do Teatro Oficina nos últimos anos, que é o Público Atuador (termo já bastante utilizado ao longo desse texto). Não o público que é chamado a interagir rapidamente com o elenco, nem “participar” do espetáculo, o que muitas vezes faz apenas com que esse espectador escolhido passe por algum momento constrangedor perante o resto do público. É o espectador instigado a atuar junto, entrar em cena e mandar ver. E daí traçar suas próprias impressões a partir da experiência vivida ali naquele lugar naquele momento e com aquelas pessoas. E com aquela música.

Exemplifico com duas cenas de dois espetáculos d’Os Sertões, onde a música atua como agente quebra-barreiras – além de quebra-quarta-parede – entre atores em cena e público, e o cantar junto possibilita a entrada do espectador na cena sem passar (demais) pelo racional. Nesse primeiro exemplo, numa cena do espetáculo O Homem II – da revolta ao trans-homem [Xucuru], o público aprende a canção (adaptada de um canto do povo Xucuru, sugerida e interpretada no espetáculo por Adriano Salhab, músico ator pernambucano que compunha banda e elenco) com o corifeu que puxa o canto e propõe com o coro o modelo de responsório: ele canta uma parte e o coro repete, assim até o coro cantar a canção inteira, sempre repetindo o corifeu. E cantando juntos, coro de atores e espectadores vão realizando a atividade proposta na cena, que é a construção de uma cobertura de folhas para o local onde Antônio Conselheiro vai proferir seus sermões. Ao final da construção da latada, atores e público atuador instalam-se juntos abaixo dela e ouvem a fala do profeta.

No segundo exemplo não há corifeu. O coro já começa cantando, mas como o refrão é fácil de aprender e é uma ação de confronto dançado, o público, que já foi entrando em cena a convite (mudo, apenas pelo olhar) dos atores nas cenas anteriores, é levado a atuar junto porque está misturado ao elenco e já entendeu a situação proposta; e pode se arriscar a cantar junto o que aprendeu. Agora é agir. A música, como acontece muitas vezes no Oficina, é criada a partir da canção de outra peça, e é puxada pela banda e cantada em coro – dois grupos: matutos e infantaria – em cena do espetáculo A Luta I [Bala bala], que já citei anteriormente quando me referi ao Teatro de Estádio.

Narro um fato específico ocorrido nesta cena quando da apresentação dos cinco espetáculos d’Os Sertões na cidade de Canudos, sertão da Bahia, onde aconteceu originariamente a tragédia, e onde finalizamos a temporada. Lá foi construída, no campo de futebol da cidade, uma réplica do Teatro Oficina de São Paulo, e os ingressos custavam o valor simbólico de R$1 real, o que deu acesso amplo ao público de todas as classes. E como os atores estavam hospedados em casas de moradores da cidade, essa interação já serviu como uma divulgação natural.

Nesta cena de embate entre os seguidores de Antônio Conselheiro e a infantaria do exército, esta canção era cantada por todo o coro, de soldados e conselheiristas juntos, e em alguns momentos a letra de cada parte era diferente e as vozes do coro se dividiam. Eu, que fazia parte dos conselheiristas nesta cena e portava uma peixeira – objeto de cena – bem grande mas obviamente cega, quando olhei para o matuto ao meu lado, um morador de Canudos, ele olhou cúmplice pra mim e minha peixeira e mostrou uma faquinha que estava empunhando – que não era objeto de cena –, pequena mas com uma lâmina visivelmente bem afiada. Contracenamos todo o tempo da cena, ele cantava junto mesmo sem conhecer exatamente a música, mostrava sua faca e dançava conosco. Ali éramos o coro, éramos os matutos lutando contra a infantaria, eu era de Canudos como ele, ele era ator como eu, e não éramos nada disso, estávamos vivendo aquela cena ali, estávamos na batalha, éramos parte de um coro ditirâmbico como na definição de Nietzsche citada páginas atrás. 

No primeiro momento senti medo daquela faca afiada, e ele com certeza sabia usá-la muito bem. Fiquei mais presente ainda, ligada na música, na luz, no resto do público que atuava junto, na cena toda, mas principalmente ligada nele, e com ele. Ele estava em cena, sabia que era uma cena de teatro, tinha entendido todo o contexto e atuava conosco. Eu fiquei atenta o tempo todo à sua faca, mas principalmente porque intuía que ele não tinha a experiência do espaço e nem do movimento e desenrolar da cena como eu, então fiquei “de prontidão”, completamente ligada a ele, para que não houvesse algum acidente, já que muitas outras pessoas que estavam ali na cena também não tinham experiência como atores e nem do espaço onde atuávamos. Mas ele sabia o que estava fazendo.

Ao fim da cena, muitos de nós morríamos, ele caiu morto junto. Atuamos.

 

Repertório de canções

O eterno presente

Desde que me lembro sou das que acreditam que a história de um lugar, das pessoas, de uma prática, são os fatores que determinam a existência – concreta – de um determinado espaço. E a familiaridade com essas histórias do lugar, das pessoas desse lugar, e das práticas vividas ali, ao contrário de engessar essas mesmas práticas impedindo qualquer evolução, é a base que tornará mais forte qualquer mudança, mais sólidos novos agrupamentos de pessoas formados ali naquele mesmo lugar.

Escrevo isso que me parece óbvio pela percepção de que mesmo ali no teatro, entre artistas que se aproximaram e passaram a fazer parte dessa grande multidão que se reúne no Oficina e seu entorno, a ideia de conhecer o que veio antes, entender como se chegou até ali, quais práticas levaram a quê, e porque eram e são praticadas, por vezes são desprezadas em nome de um aqui agora onipotente.

O aqui agora é o que temos. Onde estamos, o que somos, mas ao mesmo tempo o agora a que me referi logo atrás já passou, e esse aqui é composto de muitas camadas, que existiram há tempos que já passaram, mas continuam existindo e formando a base do que vamos construir nesse mesmo lugar. Para além do aqui agora, estamos num eterno presente. Onde passado e futuro estão sempre presentes, contracenando.

Por isso a importância de conhecer o que veio antes. A cada espetáculo o Teatro Oficina se reinventa, muitas vezes o elenco é quase todo composto por novos integrantes em relação ao espetáculo anterior, protagonistas de outros grupos, outras linguagens, um coro novo, de amantes do teatro, iniciantes, recém iniciados no teatro, cantores, músicos, pessoas.

O repertório de espetáculos do Oficina mostra o caminho. Bacantes, tragédia de Eurípedes e direção de Zé Celso, por exemplo, que estreou oficialmente no teatro de arena do Sesc de Ribeirão Preto em 1995 e já vinha sendo trabalhado há muitos anos pelo grupo, e teve muitas remontagens nos anos a seguir, é um espetáculo de iniciação para os atuadores da Companhia. Não por acaso narra a origem do teatro como o entendemos hoje, através do mito do deus grego Dionísios.

Durante os anos em que atuei no Oficina, conheci atores que nunca tinham atuado no espetáculo mas conheciam de cor algumas de suas canções, que passaram a ser cantadas em shows de músicos ligados ao teatro, e até nas festas do grupo.

Como as rodas de samba que vão formando os bambas que precisam conhecer o repertório de sambas da velha guarda, como as escolas de samba com seus sambas exaltação da escola e enredos dos carnavais passados, como um iniciado no santo que precisa conhecer os toques e cantigas de cada orixá, como os Yanomamis e a música de sua árvore de cantos (citados na dissetação), como os mantras para diversas práticas orientais. Ou como conhecer e saber fazer as operações básicas da matemática para um dia quem sabe tentar entender a lógica do movimento dos planetas.

Da mesma forma a importância de conhecer os espetáculos passados já montados pela Companhia, o repertório cantado em outras peças. Dei o exemplo do espetáculo Bacantes por ser uma peça chave para o tipo de teatro que se pratica no Oficina, e também por abordar justamente o nascimento do teatro como o conhecemos, mas temos canções de vários outros espetáculos que continuamos cantando em muitos momentos.

A vantagem da música é que ela pode ser aprendida e cantada por todos, e continuar sendo cantada ao longo do tempo, em diversas ocasiões. E a cada vez que cantamos uma canção seu conteúdo se faz presente e ela ocupa o espaço, com a potência de trazer em sua execução e interpretação todo o universo do espetáculo para o qual foi composta, ou do qual fazia parte. Quem participou revive interiormente as cenas, quem assistiu lembra do que viu, quem não participou nem viu capta a energia da música, deixa o conteúdo encher o pensamento, ativar a imaginação, ouve-se então alguém contando alguma história da peça, da canção, do personagem, de uma outra montagem, e esse repertório comum vai se tornando o elo de interseção entre aquelas pessoas, vai se tornando a base de conteúdo comum daquele grupo. Cantar esse repertório em coro e sempre faz com que todas as peças continuem ressoando na peça em cartaz daquele momento, multiplicando seu conteúdo, somando sentidos à personalidade do grupo, e criando a sensação de pertencimento a ele.

Cada um com um grau diferente de compreensão, de acordo com sua história pessoal, suas preferências, seu tempo na Companhia, seu interesse, sua abertura, curiosidade, identificação, aí são inúmeros fatores que fazem de cada um ali um atuador único, mas com uma base comum de identificação com o tudão que acontece naquele lugar.

Por tudo isso achei pertinente falar de algumas canções que são marcos do grupo, que cantamos sempre em nossos aquecimentos e encontros informais. É uma mistura de canções do nosso repertório nacional, canções compostas para espetáculos da Companhia, canções marcantes de datas específicas, etc. Que formam uma base musical estética da companhia, que constroem parte do quebra cabeça que constitui a história do grupo, de espetáculos marcantes para a Companhia e público, e que são parte de uma iniciação para novos integrantes.

Algumas dessas canções passaram a fazer parte do aquecimento vocal – dos espetáculos d’Os Sertões e de outros na sequência –, e para além dele, da concentração do elenco para entrar em cena. O momento de cada ator estar consigo mesmo e com todo o coro, momento de timbrar as vozes, de criar um cordão dourado vibrando numa mesma sintonia.

Canções compostas para e cantadas em outros espetáculos da Companhia, e também canções do vasto repertório da música brasileira com seus múltiplos ritmos, gêneros, de diferentes épocas, formando um caleidoscópio musical ativador da memória e imaginação musical dos atores. E que já vai preparando o elenco para cantar a peça do momento, enriquecendo seu vocabulário musical.

Como um repertório básico para um primeiro contato com o universo musical da Companhia, posso sugerir:

·       Alegria (Assis Valente e Durval Maia);

·       [#Para ver a luz do sol] (Edgar Ferreira);

·       Vou gargalhar (Edgar Ferreira) – sucesso na gravação de Jackson do Pandeiro;

·       Tupi or not tupi (Surubim Feliciano da Paixão) – lançada em disco LP 1985;

·       [#Tradição: Vai no bixiga pra ver] (Geraldo Filme), composta como samba exaltação da Escola de Samba Vai Vai, do bairro do Bixiga;

·       [#O amor é filho do tempo] (Zé Celso, Marcelo Drummond, Nelson de Sá e Péricles Cavalcanti), composta para o espetáculo Ham-Let;

·       Hino do teatro brasileiro (Tião Graúna e Arroz) – samba enredo da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel do Rio de Janeiro – Carnaval 1975 – Enredo de Flávio Rangel;

·       Abre a porta São Pedro (Armando Cavalcanti e Klecius Caldas) – sucesso de Linda Batista no Carnaval de 1952, cantada por Adriana Capparelli e pelo coro no espetáculo O Homem II, 3a. Parte d’Os Sertões;

·       [#Inverno], Primavera, Verão e Outono (José Miguel Wisnik);

·       Acordes (Bertolt Brecht e Kurt Weill), de 1929, cantada no espetáculo Acordes;

·       Oj Dodole – canção tradicional croata, cantada no início e fim do espetáculo O Banquete;

·        Batuque no morro (Herivelto Martins, Humberto Porto e Ozo – 1938) – sucesso do Trio de Ouro, cantada pelo coro no espetáculo Cacilda: uma estrela a vagar;

·       Sem fantasia (Chico Buarque), composta para o espetáculo Roda Viva;

·       Oxum (Zé Celso), composta para o espetáculo Bacantes;

·       Positivismo (Noel Rosa e Orestes Barbosa) – composição de 1933, cantada pelo coro no espetáculo O Homem II;

·       Adeus, batucada (Synval Silva) – samba sucesso na voz de Carmen Miranda gravado em 1935, tema de uma cena de alguma das Cacildas que ainda não estreou no teatro, onde a pequena notável era personagem, e que tive a alegria de interpretar; samba que cantávamos também para levar o público até a saída do teatro, aos finais dos shows do projeto Das Bandas do Oficina.

Esse é um repertório que tem a ver com o meu tempo de trabalho e convivência na Companhia, cada integrante poderá compor um repertório que dialogue com sua experiência. E da interseção dos repertórios de vários integrantes vamos formando nossa história repertório de canções. 

SEM COMEÇO NEM FIM

Depois dessa volta pel’Os Sertões do Teatro Oficina através da música, uma dica final. Vamos ouvir juntos aqui a música d’A Terra, que encerra o espetáculo de mesmo nome, o primeiro da série. Como um movimento circular, um ouroborus [¹], voltamos ao iníCio, ou como um movimento em espiral, pra cima ou pra baixo, ou pra algum lado, passamos pelo mesmo ponto que nunca é mais o mesmo ponto – lembrando o Heráclito... –, porque nós também já não somos mais os mesmos.

O eterno retorno. Com todos os insights que fomos tendo ao longo da leitura do texto, ou só esse de agora, vai ver que nem lemos nada ainda, estamos começando por esta página. Ou por esta canção. Composta em coro, reproduzindo quase literalmente as palavras de Euclides, pra falar da terra que pisamos, da terra que vai nos receber logo mais, da terra de onde tudo nasce, e desse nosso planeta tão maltratado por nós, mas que vai continuar vivo em seus movimentos circulares, vai continuar girando, e transmudando-se de dentro pra fora, intuscepção . . . ela gira ! ! ! . . . .

[¹] Palavra de origem grega, mas que designa uma figura mítica presente em várias culturas: a serpente que come a própria cauda, simbolizando o eterno retorno. 

4 thoughts on “

  1. Estou muito emocionada, voltei a anos atrás, e revivi cada momento a jornada “Os Sertões”
    Parabéns Letícia, Maravilhoso!!!

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