Deu Cupim

Deu cupim (samba de gafieira de Henricão e J. Alcides)

Se não fosse o samba, Henrique Felipe da Costa, o Henricão, teria seguido a carreira de jogador de futebol. Natural de Itapira, interior de São Paulo, começou jogando no Velo, de Rio Claro, depois no Floresta, de Amparo, até vir para a capital jogar no Corinthians. Era campeão do interior e chegou a fazer dois jogos pelo Corinthians, e segundo ele mesmo era um bom goleiro. Mas as cabrochas do samba falaram mais alto, e aí perdemos um goleiro e ganhamos um sambista.

Henricão foi um dos fundadores do Cordão Carnavalesco Vai Vai, ao lado dos amigos Benedito Sardinha, Livinho, Frederico Penteado, Lolo, Dona Castorina, Dona Iracema e Dona Sinhá, em 1930. É o autor do primeiro samba para o Vai Vai, quando eles se encontravam na casa do Louro, na rua Rocha no. 12, e ainda eram aquela turma de amigos do vai vai em qualquer lugar, ou vai vai embora daqui, e ele motorista na rua Augusta, em 28.

Foi dali convidado a cantar na Rádio Educadora Paulista, no tempo do microfone de carvão. Trabalhou também na Rádio Record, e depois foi tentar a vida no Rio de Janeiro, onde logo ficou amigo do sambista Ataulfo Alves, gravando em seu programa Caminho da Glória, na Rádio Cruzeiro do Sul. Lá frequentou a Festa da Penha, berço do samba carioca, e viu várias escolas de samba nascerem como blocos carnavalescos. Lançou vários de seus sambas na Gafieira Elite, antiga Kananga do Japão.

Foi também ator de cinema, participando de filmes como Quero Movimento e Berlim na Batucada, de Lulu de Barros, onde atuou ao lado de Francisco Alves e Procópio Ferreira. Seu personagem Justino no filme Sinhá Moça, produção da Vera Cruz, lhe rendeu o prêmio Governador do Estado de São Paulo, entre outros.

Foi o primeiro Rei Momo negro da história do carnaval paulistano, e o foi em homenagem ao palhaço Piolin, que se encontrava muito doente na época. A verba de seu reinado foi utilizada em auxílio do amigo e Henricão foi “Rei Momo do Mundo Maravilhoso de Piolin”, como declarou no programa MPB Especial de 73, dirigido por Fernando Faro.

Compôs Deu Cupim em parceria com o jornalista e escritor J. Alcides, nascido José Alcides Barrichello, filho de imigrantes italianos.

ficha técnica gravação:

Beto Bianchi – violão

Letícia Coura – voz e cavaquinho

Vítor da Trindade – pandeiro e surdo

Participações especiais:

Celso Sim – voz

Bocato – trombone

Manoel Trindade – caixa, agogô e surdo

Chão do Bixiga

Chão do Bixiga (samba de Fernando Penteado e Elias Gomes)

A capa da revista de sambas retrata um pedaço especial do chão do Bixiga, esquina das ruas São Vicente e Lourenço Granato (que pode ser visto nesta foto de Maurício Shirakawa, tirada nos idos de 2005, bem antes das obras de agora que fizeram de toda essa história um grande buraco no chão).  Em frente à sede social da escola, que acabou de ser demolida para dar início às obras da estação de metrô Saracura Vai Vai. Esta é a luta de vários grupos organizados no bairro do Bixiga: para que o nome da estação seja esse, Saracura Vai Vai, para que as obras sejam interrompidas, pelos muitos objetos de valor arqueológico encontrados ali por conta das escavações, e para que a sede da Escola volte para o local.

Ali eram realizados os ensaios da Escola de Samba Vai Vai, única de São Paulo que praticava seus ensaios ao ar livre, com a permissão e aprovação da vizinhança.  Conquista de anos de samba, porque não foi sempre assim…

Por ali passava o rio Saracura, cujas margens eram conhecidas no final do século XVIII como esconderijo de escravizados fugidos.  Logo depois da abolição da escravidão, a região do Bixiga continuou concentrando boa parte da população negra da cidade, que chegava do interior à procura de trabalho.

Era uma região alagadiça, que em momentos de estiagem tornava-se propícia à prática do futebol.  Ali se reunia no final da década de 20, ainda às margens do rio Saracura – entre as atuais rua Rocha e Rui Barbosa, um grupo de amigos que gostava de futebol, acompanhava os jogos do time do bairro, o Cai Cai, mas se virava melhor no samba.  Passou a ser chamado de turma do Vai Vai, transformando-se oficialmente em 1930, para evitar as constantes perseguições da polícia, no Cordão Carnavalesco Vai Vai, e finalmente em 1972, no Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Vai Vai.

Fernando Penteado é neto de Fredericão, Frederico Penteado, um dos fundadores da Escola de Samba Vai Vai, integrante daquela turma de amigos.  É mistura de italiano com negro, o que o torna um típico representante das origens do bairro do Bixiga.  Presidente da Ala dos Compositores da Vai Vai, é autor de vários sambas para a escola, compondo também de vez em quando para outras escolas de samba de São Paulo.  É Embaixador Presidente do Samba Paulistano, e compôs Chão do Bixiga em parceria com o compositor Elias Gomes, apresentador oficial dos ensaios da Vai Vai.

o trio Revista do Samba no estúdio Cachuera! (2005)

ficha técnica gravação:

Beto Bianchi – violão e voz

Letícia Coura – voz e cavaquinho

Vítor da Trindade – pandeiro, tamborim, ganzá, surdo e voz

Tradição – Vai no Bixiga pra ver

Tradição – Vai no Bixiga pra ver (samba de Geraldo Filme)

show de lançamento do álbum Revista Bixiga Oficina do Samba no Teatro Oficina – 2006 – com Revista do Samba e Movimento Bixigão – foto Maurício Shirakawa

Geraldo Filme em entrevista ao programa Ensaio da TV Cultura em 1992:

“o Bixiga é um bairro que me adotou, e eu adotei o Bixiga.  Eu gosto da vida daquela gente.  Eles trabalham de dia pra cantar à noite e comer.  Sinto no Bixiga um pedaço de chão independente.  É onde reina a alegria, onde estão todos os teatros, as casas noturnas.  No Bixiga tudo é festa e o samba não deixa de marcar sua presença lá”.

Quando Raquel Trindade, pintora, pesquisadora, professora de danças populares e filha do poeta Solano Trindade, propôs o enredo Solano Trindade – O Moleque do Recife à Escola de Samba Vai Vai em 75, Geraldo Filme quis compor o samba para homenagear o amigo.  Segundo Fernando Penteado, presidente da Ala dos Compositores da escola, o enredo que poria em prática palavras do poeta, “pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte”,  já entrou como hors-concours, não precisando passar pelo processo normal de seleção da escola.  Mas a Vai Vai tem uma norma, só podem concorrer para a escolha do samba-enredo do ano os membros da Ala de Compositores da escola, e Geraldão da Barra Funda, como era conhecido até então, não fazia parte.

E o que fazer para entrar na ala dos compositores?  Primeiro, compor um samba exaltando a escola. Hum. Geraldão sumiu e todos pensaram que haviam perdido a oportunidade de ter um samba de Geraldo Filme na avenida.  Dali a pouco começam a cantar no bar da dona Odete, ali ao lado da quadra: “quem nunca viu o samba amanhecer…”  e Geraldo foi aceito como compositor da escola, concorreu com seu samba, e foi o compositor do samba-enredo de 1976 da Vai Vai.

É com este samba, TradiçãoVai no Bixiga pra ver, hoje o Hino do Vai Vai, que são abertos todos os ensaios da escola. E é ele que se canta quando a escola se posiciona pra entrar na avenida.

gravação no estúdio Cachuera! – foto de Maurício Shirakawa

ficha técnica gravação:

Beto Bianchi > violão | Letícia Coura > cavaquinho e voz

Participações especiais > Carlos Caçapava > arranjo de percussão

Percussão e Coro Bixigão > Aneliê Schinaider > surdo médio e coro |  Binha > tamborim e coro | Carolina Almeida > surdo de base, tamborim e coro | Isabela Santana  > ganzá e coro | Jéssica dos Santos > surdo agudo | Lady Glória > surdo médio e coro | Laene Santana > ganzá e coro | Mariana > caixa e coro | Monique Salustiano > surdo agudo | Talita > tamborim e coro | Xandy > agogô e coro

Solano Trindade – Moleque do Recife

De 2004 a 2006 nós, o Revista do Samba, ficamos por conta do projeto Revista Bixiga Oficina do Samba, selecionado no Petrobras Cultural, que resultou no álbum de mesmo nome, uma Revista de Sambas, e um documentário, Bixiga Samba, dirigido por Tommy Pietra e Fernando Coimbra. O álbum Revista Bixiga Oficina do Samba, com repertório de sambas do bairro do Bixiga, da Escola de Samba Vai Vai, do Teatro Oficina e do Teatro Popular Solano Trindade, interpretados pelo trio e muitos convidados ilustríssimos, está disponível nas plataformas virtuais. E a Revista de Sambas traz, além de partitura e cifras, um pouco das histórias dessas composições e seus autores.

Vou publicar alguns desses textos aqui – com o link pra ouvir o samba, só clicar –, como mais um canal pra manter essa história viva e cantada por tantas vozes. Acompanhando e ecoando o movimento pelo retorno da sede da Vai Vai ao seu ponto de origem, pela paralisação temporária das obras do metrô, e pela alteração do nome da estação pra Vai Vai Saracura.

Pavilhão Vai Vai no Teatro Oficina – foto Maurício Shirakawa

Solano Trindade – Moleque do Recife  (samba-enredo de Geraldo Filme e Aílton Filme)

“estou conservado no ritmo do meu povo

me tornei cantiga determinadamente

e nunca terei tempo para morrer”

(Solano Trindade, em trecho do poema Canto de Esperança, que escreveu para a filha Raquel Trindade.)

livro O Poeta do Povo de Solano Trindade

Solano, que em língua africana quer dizer Vento Forte, dedicou sua vida à cultura popular. Poeta, ator, pintor, cineasta, cresceu em Pernambuco, onde fundou em 1936, com o pintor Barros, Ascenso Ferreira e o escritor José Vicente Lima, a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro.

Em 1950, ao lado da esposa Margarida Trindade e do sociólogo Edson Carneiro, fundou o Teatro Popular Brasileiro, que apresentava uma mistura de música, dança e teatro, desenvolvidos a partir das raízes da cultura negra. O grupo, cujo elenco era formado por domésticas, operários, estudantes e comerciários, percorreu várias cidades brasileiras, viajando em 1955 para a Europa, onde se apresentou em vários países, com destaque para o Festival da Juventude Comunista em Varsóvia, Polônia.

Publicou os livros Poemas Negros, Poemas de uma vida simples, Seis Tempos de Poesia e Cantares ao Meu Povo, marcos da poesia negra brasileira. Por conta do poema Tem Gente com Fome, foi preso em 1944 e teve seu livro apreendido.

A convite do escultor Assis se apresenta com seu Teatro Popular Brasileiro no Embu, São Paulo, onde acaba fixando residência e criando um pólo cultural. Em 1975, um ano após a morte do poeta, sua filha Raquel Trindade funda no Embu das Artes o Teatro Popular Solano Trindade, dando continuidade ao trabalho desenvolvido por seu pai. Desde então o grupo vem se apresentando com frequência, difundindo cantos e danças populares brasileiros.

Geraldo Filme, amigo do poeta, tendo trabalhado com ele no Teatro Popular Brasileiro, foi o compositor do samba-enredo de 1976 da Vai Vai, Solano Trindade – Moleque do Recife. Raquel Trindade desenhou os carros alegóricos e as fantasias, tudo em preto e branco, cores da escola e de seu Orixá, Obaluayê. Nesse ano a Vai Vai foi vice-campeã do Carnaval de São Paulo. Mas o povo das arquibancadas todo cantou junto o refrão do samba “canta meu povo, vamos cantar, em homenagem ao poeta popular…” e gritou “é campeã!!….”

Beto Bianchi, Raquel Trindade, Letícia Coura, Zinho Trindade, Vítor da Trindade, Thiago Beat Box e Teatro Popular Solano Trindade no lançamento do álbum no Teatro Oficina 2006. Raquel Trindade na gravação do samba, no estúdio Cachuera!

ficha técnica gravação:

Beto Bianchi – violão

Letícia Coura – cavaquinho

Vítor da Trindade – surdo

Participações especiais:

Raquel Trindade A Kambinda – voz

Seu Maninho da Cuíca – cuíca

Naipe de percussão Solano Trindade – Daniel Camillo – caixa de congo | Manoel Trindade – caixa de congo, malacaxeta | Rafael Fazzion – tamborim | Thiago Beat Box – beat box | Zinho Trindade – voz

Coro Bixigão – Aneliê Shinaider, Binha, Carolina Almeida, Isabela Santana, Lady Glória, Laene Santana, Mariana, Talita, Xandy.