Ver ouvir alguém cantando.
Há os que sabem ouvir.
Há os que soltam a voz, os que prendem, os que cantam com a cabeça, com o corpo, com a buceta, com o pau, com o cu, os que pisam no chão, os que saem do chão, os que fazem uma boca pra cantar, os que cantam como falam, os que inventam uma voz cantora, os que cantam as palavras, os que cantam as notas, os que cantam com a harmonia, os que vão pelo ritmo, os que cantam sozinhos, os que cantam junto.
Os que cantam forte e se fazem ouvir. Os que cantam baixo e criam silêncios. A voz agradável, a voz suave, doce, a sensual, a cheia de nervos, a cheia de ar, a resfolegante, a voz que mascara, a que revela. A voz aguda, a fina, a estridente, a pontuda, a firme, a gorda, a cheia, a grave, a profunda. A que esquenta, a que irrita, a que machuca o ouvido, a que não chega até ele.
A orgia de cantar junto, sentir suas ondas vibrando, entrando e saindo de si e dos outros que cantam também e emitem ondas que batem, que entram e saem de todos, vibram juntas e separadas, promiscuidade de sons, de ares, hálitos, calores, alturas, intensidades, espasmos, êxtases.
Os que arriscam sem medo graves e agudos, independente da capacidade ou experiência da voz em seguir o ímpeto. Os que podem ter grande extensão mas não se arriscam. E mostram mais. Os que não abrem a boca, os que cantam antes de ouvir, os que disparam no ritmo, os que ficam pra trás, os que estão aqui, os que não, os que cantam com as mãos, com os olhos, com o coração. Os que tensionam o braço, o pescoço, a garganta, a boca. Os que cantam com alegria, medo ou dor.
Mas todos, todos, se abrem, se jogam, se mostram, e depois de cantar por algumas horas estão mais bonitos.
*ilustração de Lestranj Oão
**texto escrito no fim do primeiro mês dos trabalhos com a Universidade Antropófaga – cadernos de atuação 2015.