o teatro mais uma vez. e a música. viver, reviver, desremoer, viver uma catarse e fazer tudo virar arte, teatro, música. mais uma vez.
conheci a música de dorival caymmi principalmente através de minha mãe, que sempre amou aquele vozeirão, as canções de mar e pro mar. pramar. ela contava sempre da maravilha que foi uma vez em Copacabana, e lá estava, em algum daqueles bares restaurantes da beira da praia, lá estava em uma mesa qualquer o Dorival com seu violão, cantando uma de suas pequenas imensas obras de arte canção.
muitos e muitos anos depois desses tempos, muitos anos já que minha mãe está ouvindo Dorival na música das esferas, recebo um convite pra cantar uma de suas canções. temporal que se aproxima. Dorival e A Mar.
em cada respiração, cada nota dessa canção, ali está minha mãe, e a dor da minha mãe. conheço bem outras dores, mas essa não vou experimentar nessa vida. a dor de perder um filho. o filho.
meu irmão meu amado irmão se matou tão jovem. agora que sou velha guarda vinte e três anos parece quase uma criança. e eu então, que tinha dezoito. que virei adulta vivida ali bem rápido. meu irmão adorado, que saudade.
daí ganhei esse presente de meus tão amados parceiros no teatro. cantar com eles, cantar a dor de minha mãe, minha dor de irmã, a dor de todas as mães que perdem seus filhos. das mães de tantos vicentes que se vão tão cedo.
tem alguns momentos da vida de que a gente se lembra sempre como se fosse hoje. o grito de dor de minha mãe quando soube do acontecido. contaram pra ela no quarto lá longe, nós na sala já sabíamos. e aquele grito.
esse grito está dentro de mim até hoje. ele já quase apareceu em uma cena lá mesmo no teatro, mas era um grito surdo. agora, tantos e tantos anos depois, tantas encarnações, esse grito de minha mãe sai de mim como música ali na pista do Oficina. numa linda canção de Dorival Caymmi. vai sem o vozeirão, não é beira-mar em Copacabana, mas vem lá de longe também. lá daquele quarto, do fundo do quarto de todas as mães do mundo.