Tenho esse personagem sambista que me dá muitas alegrias nessa vida. E estamos comemorando – dentro do possível que esse verbo possa ter de sentido nesse momento – 20 anos de Revista do Samba, nosso trio criado lá atrás, por amor ao samba, à amizade, e ao prazer de tocar e cantar junto. E que hoje, talvez mais do que em toda a nossa trajetória, é tão importante pra gente lembrar quem a gente é, que cultura tão rica que temos, que música maravilhosa, e sim, que pessoas legais e criativas, que criaram esse gênero, essa música, essa dança, com uma história tão diversa quanto interessante e instigante.
É um pouco de tudo isso que procuramos passar com esse projeto, com essas apresentações, lives, shows, não sei que nome dar a isso que fizemos, um trio de dois no mesmo lugar e um em outra cidade, usando e abusando do que conhecemos dessas tecnolorgias – sim, foi assim mesmo que escrevi – atuais, pra poder cantar e tocar, e chegar às pessoas.
Esses são os movimentos – 6 ao todo, como pedia o edital –, cada um abordando um trabalho, um álbum, cada um com um repertório diferente, tendo no último nosso gran finale das mais mais, selecionadas entre as tantas que tocamos tantas vezes nas nossas tardes e noites de samba e outras aventuras. Esse texto é um convite pra conhecer um pouco das histórias dos sambas e dos sambas das histórias, que fomos entrelaçando com as nossas, e pra ver e ouvir a gente lá no YouTube – Revista do Samba Oficial. Continuo acreditando que é com essa alegria que vem lá do fundo da nossa cultura e alma que vamos conseguir atravessar esses tempos de prov(oc)ação.
Esse projeto nos possibilitou também revisitar algumas histórias que fomos colecionando nesses 20 anos de samba, de viagens e shows pelo mundo. Falo um pouquinho delas a seguir.
As primeiras viagens
Sempre associei nosso início das viagens – e da maravilhosa carreira internacional! – ao 11 de setembro. Acordei com um telefonema do – agora extinto – Ministério da Cultura: “Letícia Barbosa Coura? você não vai querer as passagens?” Custei a entender. Era 2001, eu estava no meio do processo de ensaios do espetáculo Bacantes do Teatro Oficina. “Duas passagens, Revista do Samba, é isso?”, a voz perguntou do outro lado. Sim ! ! respondi já então animada, lembrando da nossa tentativa no edital com o pedido de duas passagens para Berlim, para nos apresentarmos como Revista do Samba. Vítor já estava na Alemanha, as passagens seriam para mim e para o Beto. Foi uma surpresa, super em cima da hora, e ficou a impressão de que conseguimos as passagens porque alguém provavelmente havia desistido de alguma viagem, por conta do medo que se instaurou no mundo logo após o ataque às torres gêmeas. E assim fomos, intrépidos, para o outro lado do Atlântico, dar o pontapé inicial para uma bela e promissora história de shows em vários países, e participações em muitos festivais de música por esse mundão afora.
Paquistão e o Rasta-pé do cercadinho
Fomos parar no Paquistão em 2006. Esses telefonemas em horários inusitados com surpresas realmente surpreendentes. World Performing Arts Festival, realizado em Lahore, quase na divisa com a Índia, reunindo música, teatro, teatro de bonecos, poesia, dança. Foram 10 dias de muita arte, muita troca com artistas de muitos países diferentes, e uma enxurrada de cores, sons, idiomas, comidas. Por indicação dos organizadores do festival, fomos a uma cerimônia sufi, na companhia de um bailarino francês, alguém da embaixada brasileira e um simpático paquistanês que se dispôs a ir como nosso guia, nos iniciando nos mistérios locais. Eu era a única mulher do grupo, e passei por uma experiência que felizmente acabei conseguindo transformar em samba, o Rasta-pé do cercadinho. Como o nome já sugere, tive que assistir à cerimônia separada de meus companheiros homens, sentada sozinha num cercadinho, onde os participantes deixavam seus sapatos. Pra saber um pouco mais da história, só ouvir o samba e deixar o esqueleto balançar…
Samba no Monte das Oliveiras
Em 2005 fomos tocar em Israel. Eu estava em cartaz com Os Sertões, no Teatro Oficina – 26 horas de peça no total –, e a vida foi bem alucinante nessa época. Me lembro de pagar uma daquelas massagens de aeroporto, porque ia viajar a noite inteira depois de fazer uma peça de 6 horas… Daí já dentro do avião, antes de apagar e acordar do outro lado do Atlântico, descobri no guia que tinha comprado que Tel-Aviv, onde íamos nos apresentar, era uma cidade à beira-mar… ignorâncias à parte, na hora de passar na alfândega, acho que pra entrar no país, nos pararam com as bagagens. Um rapaz bem jovem – como eram os policiais e militares em geral que vimos em Israel – queria saber o que era aquele objeto estranho, perguntou se era algum tipo de arma. Vítor explicou então que era um instrumento musical, e não pareceu convencer o funcionário da imigração. Contamos que éramos um trio brasileiro que tocava samba, e nada. Daí Vítor pegou o berimbau e começou a tocar, e logo outro rapaz, agora com o uniforme do exército, se aproximou animado e começou a ensaiar uns passos de capoeira. “Conheço, é capoeira!”, e logo puxou conversa com o Vítor sobre essa dança luta brasileira, várias pessoas se aproximaram pra ver os passos e ouvir aquele instrumento estranho em ação. Por um breve momento aquela parte do aeroporto se descontraiu com um pouco de música e dança.
Do outro lado do mundo
Em 2009 fomos convidados para um festival em Seul, na Coreia do Sul. E de lá fomos tocar em uma outra cidade coreana, à beira do mar do Japão, Gangneung. Tocamos num belo teatro e também no mercado de peixes, lugar maravilhoso e indescritível, com tantos peixes que nunca tinha visto na vida, muito menos saboreado… e no jantar da noite pós-show dei o meu primeiro fora ao tentar escolher alguma iguaria da cozinha coreana, sem entender nada no cardápio, e perguntei se eles tinham sushi – de peixe, já que tínhamos acabado de conhecer o mercado. Ao que o produtor da cidade com uma cara não muito amigável respondeu que sushi de peixe era ‘coisa de japoneses’. Me senti uma daquelas pessoas que muito animadas chegam no Brasil e perguntam da capital, Buenos Aires… Mas para compensar minha gafe, tinha aprendido no camarim, com uma moça que nos acompanhou na cidade, a cantar uma canção coreana, da qual consegui cantar um pedaço pro nosso anfitrião, melhorando um pouco minha imagem com ele. E quando voltei pra peça da época, Cacilda!! – é, continuava na minha vida dupla entre o teatro e o samba –, ainda consegui fazer o público cantar em coreano comigo. Tinha uma cena no meio do segundo ato, que servia pra acordar parte do público desavisado em uma peça de 6 horas, em que eu ‘interpretava’ uma preparadora vocal que fazia um aquecimento com o público. Normalmente eram exercícios de voz, mas nesse dia o público – e elenco – cantaram comigo: A ri ranga há, ri ranga há ! ou algo assim …
E a experiência na Coreia do Sul ainda deu outro samba, o Kamzahammidá, como conseguimos dizer obrigada em coreano..
Saara, Atlas, Marrakesh . . .
Depois do nosso maravilhoso show em pleno Saara, resolvemos continuar no Marrocos, aproveitar a oportunidade e ir conhecer Marrakesh. Sim, Marrakesh!, a cidade dos hippies, a terra prometida dos doidões, do imaginários de príncipes, reis, califas, camelos… continuaríamos por nossa conta – e risco –, e logo percebemos a mudança de patamar quando o táxi chegou. Era um carro bem pequeno, e nós com todas aquelas bagagens de músicos, olhamos meio desanimados pro cara do hotel. Ele logo então se prontificou e chamou outro táxi. Em seguida chegou um Mercedes Benz, e pensamos, uau!, nos demos bem ! entramos no carro animados, com nossas malas, instrumentos, íamos até a rodoviária pegar um ônibus que desceria os Atlas até Marrakesh. Mas o caminho até a rodoviária era longo, e logo percebemos que o táxi não era só pra nós, e parecia pegar todo mundo que estava no caminho, humanos e mais alguns animais como galinhas e cabras. E malas. . . .
E em Marrakesh, ao lado da praça . . . , precisávamos de uma informação pra nos localizarmos por ali, e eu sabiamente perguntei pra uma moça que passava por nós. NiquI ela começou a nos indicar como chegar no local que procurávamos, passou um rapaz muito falante, simpático, dando a entender que conhecia a cidade mais que a moça, falando mais alto, gesticulando, e meus parceiros deram ouvidos a ele… a moça fez uma cara que na hora não consegui ler muito bem, meio de preguiça do cara, e não querendo competir quem falava mais alto, acabou indo embora. Resultado, fomos atrás do cara, e logo chegamos na casa de um primo dele, que nada tinha a ver com o endereço que procurávamos, mas o primo tinha uns tapetes muito bonitos – e bem caros – para nos oferecer . . .
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